EM BUSCA DO SUCESSO ESCOLAR

Maria Cristina da Silva Galvão - PUC-Rj - SOCED

              Este artigo focaliza o sucesso escolar, mais precisamente, o tratamento dado a este tema em periódicos1 de grande inserção em nosso meio educacional. Trata-se do início de uma revisão bibliográfica, um mapeamento realizado a partir do site da Capes. Foram consultados todos os artigos que foram publicados nos últimos quatro anos nos periódicos pesquisados. Dos 71 textos pesquisados no período de 2002 a 2005, apenas cinco abordavam direta ou indiretamente o sucesso escolar. Além destes, trabalhei também com um texto de Miguel Arroyo que estava disponibilizado na pasta do Soced.

        As quatro abordagens selecionadas a partir das leituras feitas foram: o currículo e o sucesso na escola, metacognição e sucesso escolar, gênero e sucesso escolar e sucesso escolar x nova concepção e prática de educação básica.

O currículo e o sucesso na escola

        Perrenoud (2003) argumenta que o desenvolvimento e o caráter oficial das avaliações internacionais e de padrões nacionais implicam na coexistência de uma dupla definição de sucesso escolar. Há a definição usual que considera o ensino efetivamente ministrado e é relacionada ao desempenho dos alunos: são exitosos aqueles que atendem as normas de excelência escolar e avançam nos cursos. A segunda definição seria mais objetiva, porém privilegia o que pode ser medido por testes padronizados: o cognitivo em detrimento do socioafetivo, as capacidades e conhecimentos mais que as competências e a relação com o saber. Neste caso o “sucesso escolar” acaba indicando o sucesso de um estabelecimento ou de um sistema escolar no seu conjunto. As listas de classificação das escolas destacam como bem sucedidos os estabelecimentos ou os sistemas que alcançam seus objetivos ou que os alcançam melhor que os outros.

        Segundo o autor estas duas avaliações entram em conflito porque o sucesso de uma escola não pode ser simplesmente associado à soma dos êxitos individuais dos alunos, não podendo um bom estabelecimento se definir unicamente em função do número de bons alunos que possui. Algumas razões são elencadas para justificar estas hipóteses: a) a excelência de uma escola pode se dever ao rigor da seleção que ela imprime no ingresso e no decorrer da escolaridade, consequentemente sua reputação é estabelecida em função da sua rejeição aos alunos com dificuldades, ao invés de instruí-los; b) deve se considerar a dispersão, porque um estabelecimento deveria levar todos os seus alunos a um nível aceitável, não se contentando em compensar fracassos individuais com êxitos brilhantes; c) o conjunto dos fatores que determina o sucesso escolar dos alunos das escolas tem que ser levado em consideração na efetivação das comparações, alguns fatores podem fugir ao controle dos estabelecimentos menos poderosos, como o contexto familiar e urbano e o nível inicial dos estudantes; d) as notas, porcentagens e taxas de promoção podem variar segundo o contexto – a mesma nota pode não corresponder às mesmas competências e competências iguais podem ser avaliadas diferentemente de uma escola e até de uma turma para outra - o que complica o significado dos índices habituais de sucesso escolar; e) a escola só poderia avaliar o que ela ensinou (a avaliação que se dá no cotidiano da escola, seria desenvolvida em função dos contextos locais e dos contratos didáticos), todavia, as avaliações externas em larga escala não levariam em conta a realidade diversificada do ensino e do trabalho escolar porque mediriam o nível de domínio daquilo que se julga ter sido ensinado em todas as escolas a partir do currículo formal; f) enquanto o sucesso do dia a dia é conseqüência de uma variedade de avaliações que demarcam a trajetória escolar e referem-se a fragmentos do currículo, as avaliações em larga escala objetivam as aprendizagens consolidadas ao final dos cursos (o que gera outra representação das desigualdades e da eficiência do sistema educativo).

        Perrenoud ressalta ainda que as avaliações externas (provas padronizadas que exigem lápis e papel) que possibilitam comparações, podem se deter nos dados mais fáceis de definir e de medir, sem alcançarem o raciocínio, a imaginação, a autonomia, a solidariedade, o equilíbrio corporal, o ouvido musical, etc. Elas reduziriam as aprendizagens escolares às aquisições cognitivas, dando prioridade às disciplinas principais e às operações técnicas. O autor aponta que os vieses e as imperfeições desses instrumentos não impedem que sejam utilizados para elaboração de listas classificatórias, porque dentro de uma “cultura de avaliação” que exige dados a todo custo, os limites não invalidam o método.

        Quanto às avaliações produzidas pelos professores dentro da rotina do sistema educacional, não saberíamos ao certo o que abrangem, mas saberíamos que levam em conta o que foi ensinado e que as normas e as formas de excelência valorizadas não são homogêneas. Os especialistas atribuiriam apenas uma confiança limitada a essas avaliações, privilegiando os resultados mais facilmente mensuráveis mediante provas escritas.

        Não havendo concordância entre os índices de sucesso obtidos rotineiramente na própria escola e as comparações internacionais, os pais e a opinião pública se sentiriam perdidos porque a avaliação estaria se situando no cruzamento de duas lógicas antagônicas, a da aprendizagem e a da medida.

        Neste mesmo artigo é abordada a questão da definição de sucesso e fracasso escolar, eles seriam devidamente estabelecidos e proclamados pelo sistema educacional no âmbito de um processo de “fabricação” da excelência escolar que seria um processo de avaliação socialmente situado, isto é, passa por transações intricadas e está ajustado às formas e normas de excelência escolar, ancoradas no currículo em vigor e na visão da cultura da qual a avaliação faz parte. Teríamos assim bom censo se considerássemos que o sucesso e o fracasso não são características intrínsecas dos estudantes, mas o produto de um julgamento feito pelos agentes do sistema de ensino, sobre a distância desses alunos em relação às normas de excelência escolar vigentes. E não deveríamos confundir os conhecimentos e as competências “efetivas” de uma criança e o julgamento de excelência escolar do qual ela é objeto.

        Em síntese, todos são obrigados a submeterem-se aos julgamentos institucionais de sucesso e de fracasso escolar, apesar das normas e formas de excelência das quais depende o êxito escolar não serem objeto de unanimidade, como não são os níveis de exigência e os limites que separam um aluno com desempenho satisfatório de um aluno fracassado.

        Acrescenta-se a este cenário algumas outras ponderações do autor: a) o “verdadeiro sucesso” não coincidiria com a definição formal fornecida pelo sistema educacional; b) o essencial do valor intelectual de um aluno tem uma longínqua relação com o que medem as provas oficiais; c) como o aluno não entende o que se espera dele (as exigências são mutáveis e as mensagens contraditórias), tem dificuldade de ter êxito na escola; d) a diversidade das concepções de sucesso impossibilita todo debate sobre a eficácia da ação educativa.

        Dando encaminhamento as reflexões que suscita, Perrenoud afirma que é o programa curricular que deve ditar as formas e as normas de excelência escolar que definem o sucesso. Ele reconhece que o currículo não resolve todos os dilemas quanto à definição do sucesso escolar porque ele próprio é objeto de polêmicas e interpretações divergentes, mas defende que ater-se ao currículo e às suas finalidades é a única maneira coerente de colocar o problema dos critérios de sucesso.

        Apesar de expor várias etapas intermediárias (variadas, pouco visíveis, difíceis de estabelecer) entre o enunciado do currículo formal e cada julgamento de excelência, o autor avalia que o projeto do sistema escolar encarna-se no seu currículo - conjunto de objetivos e de conteúdos de formação – que está inscrito em textos que têm a força de lei e não podem ser inconseqüentes. Para ele parece óbvio que o currículo deva se fundamentar naquilo que pareça essencial para ensinar e aprender e que o sucesso escolar por sua vez deva se basear numa avaliação eqüitativa do conjunto das dimensões do currículo, dando prioridade as aprendizagens essenciais e duráveis, recusando a incorporação de desempenhos facilmente mensuráveis que procederiam de uma aprendizagem decorada, de uma pedagogia bancária que entenderia os saberes e as competências como aquisições isoladas, a serem trabalhadas uma após a outra.

        Perrenoud termina suas ponderações assegurando que as normas de excelência, os critérios de sucesso, os debates e lutas a propósito do currículo são legítimos, mas se afastam muito e freqüentemente do essencial: a procura de uma escola eficaz e mais justa, onde todos obtenham sucesso não importando quais sejam os critérios de sucesso. Desta forma, a questão política fundamental seria continuar a democratizar o ensino e o problema teórico maior seria o de explicar as desigualdades de sucesso escolar, isto é, compreender porque alguns obtêm êxito na escola e outros fracassam.

Metacognição e sucesso escolar

        Sem querer dar a resposta definitiva para esta questão, mas contribuindo para o entendimento dela, Davis (2005) destaca que apesar do empenho de inúmeros alunos em aprender não ser bem sucedido, esse fracasso não pode ser imputado a problemas cognitivos mas, sim, a dificuldades metacognitivas. Os alunos que não vão bem na escola possuem diversos conhecimentos e competências, o problema então não estaria na falta de saberes e habilidades, mas no fato de não conseguirem nem utilizá-los, nem transferi-los para outras situações. Seguindo esta linha de raciocínio, a autora discorre sobre a importância da metacognição para os processos de aprendizagem e para o sucesso escolar.

        O artigo é iniciado nos lembrando que quando inquiridos sobre o papel da escola, nossas respostas via de regra transitam entre construir um cidadão lúcido, crítico e autônomo a ensinar a ler, escrever, entender noções básicas do mundo físico e social, solucionar problemas, etc. Todavia, estas respostas parecem insatisfatórias porque talvez não saibamos como a escola faz isto. Davis concorda que cabe a escola formar o cidadão que participa plenamente da sociedade, tomando decisões acertadas em função de um projeto pessoal que se articula a um projeto social mais amplo, mas, ela nos alerta que para o cidadão tomar decisões adequadas precisa de: “informações pertinentes a respeito do meio físico e social, de si mesmo e dos outros; estratégias de pensamento que lhe permitam operar sobre essas informações; valores que orientem a sua ação.” Diferentes culturas escolares serão construídas, dependendo de como a escola valoriza essas três tarefas. As chamadas escolas conteudistas que levam o aluno a aprimorar e aumentar conhecimentos facultariam uma cultura voltada para a informação e em contrapartida, aquelas que ensinam valores e atitudes considerados positivos na orientação da conduta dariam ênfase à formação dos alunos. A autora faz uma caricatura desta situação, sugerindo que no primeiro caso o produto da ação escolar seria um aluno bem informado, mas não necessariamente sabendo como usar seus conhecimentos para tomar decisões acertadas em seu tempo e sociedade. No segundo caso teríamos sujeitos que saberiam a decisão a ser tomada, sem possuir, no entanto, uma base conceitual sólida que lhes permitisse articular informações que orientassem suas ações.

        Para Davis as escolas que utilizam o pensamento para processar informações e orientar a tomada de decisões acertadas conforme valores consensualmente priorizados em seu tempo e sociedade, são muito raras. São escolas que promovem a cultura do pensar, que sabem estimular e promover o raciocínio dos alunos, permitindo que eles tirem maior proveito da experiência escolar. A autora esclarece o que significa pensar e os diferentes tipos de pensamentos para mostrar que quando a atividade mental volta-se para a resolução de problemas, o pensamento assume a forma de raciocínio: “um processo pelo qual se procura chegar a conclusões a partir de princípios e evidências, inferindo, com base no conhecido, novas possibilidades ou avaliando os resultados obtidos.” Dentre as diferentes formas de raciocinar é dado destaque a dedutiva e indutiva e é ressaltado que o problema da escola é que esta inclina-se a achar que os alunos já são capazes de operar cognitivamente realizando raciocínios dedutivos e indutivos; deste modo, os professores se eximem da tarefa de ensinar a pensar, preocupando-se em transmitir e ensinar informações e valores.

        Sendo a escola o lugar onde se aprende a pensar de forma intencional e sistemática, precisa instalar uma cultura do pensamento, onde os alunos: a) estimulem-se a usar o pensamento para resolver problemas e valorizem este processo; b) selecionem e empreguem deliberadamente um vocabulário que nomeie e represente modalidades de pensamento; c) enfrentem situações novas identificando variáveis críticas que, ao permitir que a tarefa se configure mentalmente, possibilitem a elaboração de estratégias flexíveis de pensamento; d) transfiram articuladamente as estratégias de pensamento utilizadas em um dado contexto e os conhecimentos gerados a partir delas, para outros.

        Entendendo que a transferência é a base da acumulação do conhecimento e da aprendizagem porque possibilita partir do conhecido - conteúdo, estratégias, habilidades – e articulá-lo de outra maneira, chegando a novas soluções, conclusões e idéias, não se deve esperar que ela apareça espontaneamente, ativando o aprendizado. Um ensino voltado à transferência auxilia os alunos a entenderem como algo se vincula a outro, possibilitando-os a estender habilidades e posturas para outros cenários, a pensar sobre suas idéias, articulando-as com as de outras disciplinas e aplicando-as em contextos escolares e não escolares. A escola que investir nesta cultura do pensamento está tentando aumentar e aperfeiçoar as possibilidades de sucesso, levando os alunos a adquirir aprendizagens mais profundas e duradouras. A articulação da escola da informação com a escola da formação, caracteriza a escolha acertada, porque incentivando a metacognição o ensino permite conciliar a escola dedicada à construção do conhecimento e aquela preocupada com os valores humanos universais.

        Davis observa que a metacognição é um conceito ainda em discussão e que se poderia dizer que ela é a atividade mental por meio da qual outros processos mentais se tornam alvo de reflexão. Fazendo uso da metacognição o aluno torna-se um espectador de seus próprios modos de pensar e das estratégias que utiliza para resolver problemas, competências que seriam úteis no aprendizado, porque os desastres da aprendizagem originam-se no fato de os alunos “não saberem o que sabem” (Wong, apud Davis).

Gênero e sucesso escolar

        Ainda na busca de soluções para o fracasso e apostando no sucesso escolar, talvez devêssemos trazer a questão do gênero para o centro deste debate. Carvalho (2003) enfoca alguns dados de 1996: a) nos níveis de analfabetismo divididos por faixas etárias, há quase o dobro de rapazes que moças analfabetas na faixa de 15 a 19 anos; b) quanto a defasagem entre série e idade adequada, a diferença já começava aos 7 anos e chegava a quase 10% a mais de meninos atrasados na sua escolarização até os 16 anos. São informações disponíveis há muito tempo, mas segundo a autora, este debate não chega aos cursos de formação de professores, aos formuladores de políticas educacionais até mesmo às pesquisas acadêmicas e por isso sabemos muito pouco sobre como se constróem esses processos.

        Ela continua sua exposição enfatizando que devido às políticas de melhoria do fluxo escolar (ciclos, promoção automática, etc.) que garantem uma maior permanência dos alunos nas escolas, hoje precisaríamos utilizar outros indicadores. Não temos, por exemplo, informações em nível macro sobre as crianças que são indicadas para aulas de reforço ou que recebem conceitos como “insuficiente” ou “insatisfatório”, porque são informações que circulam apenas no âmbito da escola ou só da professora. Isso cria para a pesquisa uma dificuldade em estabelecer quem hoje enfrenta problemas no seu percurso escolar, até mesmo porque em muitas redes de ensino há pressão para que não se dê conceitos negativos e para que não se retenha ninguém ou se retenha poucos ao final do ciclo. Além do exposto, interessa também as reflexões sobre sucesso e fracasso escolar, as afirmações da autora de que o fato de receberem conceitos melhores, não necessariamente indica que as meninas aprendem mais do que os meninos, por isso, seu foco é o processo de avaliação que está sendo feito pelas professoras e o que está sendo levado em conta nessa avaliação.

Sucesso x nova concepção e prática de educação básica

        Arroyo (2000) pondera que continuamos girando no mesmo lugar, apesar de muito se escrever sobre sucesso/fracasso escolar e traz como novidades nestes campos as propostas político-pedagógicas que acompanha em escolas2 das redes municipais, estaduais e do Distrito federal que procuram considerar o fracasso/sucesso escolar na perspectiva da construção histórica de nosso sistema de educação básica. As administrações das redes citadas tentam superar a naturalização do fracasso e não fazem dele o problema.

        Estas propostas concebem a construção de uma outra concepção e prática de educação básica que deve inspirar novas lógicas de sucesso – fracasso e qualidade. Nesta linha de raciocínio é um engano confundir sucesso/qualidade com aprovação, e fracasso com reprovação, porque entre outros motivos, não poderíamos garantir aos aprovados que o seu tempo de escola contribua para seu direito ao desenvolvimento como seres humanos. Assim, nossa preocupação fundamental não deveria ser com o fracasso, mas com o fato de que a concepção e prática de escolarização não acompanha os avanços do direito à educação, à cultura, à formação humana da infância e juventude.

        Estas propostas inspiram-se ainda num olhar extra-escolar que considera o fracasso como uma expressão do fracasso social, dos complexos processos de reprodução da lógica e da política de exclusão que perpassa toda nossa sociedade nos processos seletivos, na definição social de funções, de espaços, de direitos, nos concursos, nos critérios, nos preconceitos, etc. Assumem a desescolarização do fracasso sem inocentar a escola porque ela materializaria uma lógica seletiva e excludente no seu sistema seriado, nos currículos gradeados, na organização dos tempos e do trabalho por disciplinas, nos processos de avaliação, retenção e progressão... E defendem, portanto, a idéia de que só encararemos de frente o problema do fracasso e do sucesso, quando radicalizarmos nossa análise e redefinirmos a estrutura rígida e seletiva do nosso sistema escolar e consequentemente, a lógica que o inspira.

        Arroyo declara que o caráter excludente do nosso sistema escolar se mantém impassível afrontando o pensamento progressista e democrático porque está legitimado na cultura política e pedagógica da seletividade, da reprovação e retenção. As administrações que o autor acompanha pretendem intervir no sistema escolar, acreditando que esse sistema, seus rituais, lógicas e estruturas podem ser mais democráticos, menos seletivos. Adotam entre outras medidas, a organização por ciclos3 de formação em respeito às temporalidades no desenvolvimento humano dos alunos, sem reduzi-los à progressão continuada e a ritmos e tempos de aprendizagem.

        Dentre as reflexões propostas por Arroyo para entendimento do nosso sistema escolar, destacam-se duas, as quais ele chama de idéias-força e que têm prevalecido ao longo deste século, norteando o crescimento da escolarização básica. Em primeiro lugar, a idéia de instrumentalizar a infância e a juventude para a inserção no mercado de trabalho através do ensino de habilidades, competências e saberes exigidos pela modernização social e produtiva. As demandas de habilidades primárias de leitura, escrita, contas e as noções de ciências, entendidas como indispensáveis para a inserção eficaz nos processos produtivos, teriam pautado o crescimento do ensino primário ao longo do século XX. Sendo que em décadas recentes, os conteúdos foram sofisticados e os critérios de excelência refinados em função da estratificação e divisão social do trabalho e dos mecanismos competitivos de ascensão/exclusão que fizeram dos níveis de escolarização um dos principais critérios de seleção e credenciamento. As reformas da década de 70 reforçaram os vínculos entre escolarização básica, mercado e seletividade e elevaram essa concepção credencialista e utilitarista ao status de educação de qualidade. Tradição reforçada pela imagem-modelo das escolas privadas que deixou diversos males no imaginário social e pedagógico. O autor analisa que mesmo que a natureza do trabalho não exija os sofisticados conhecimentos curriculares da escolarização fundamental ou média, esses níveis serão condição para concurso e exclusão de determinados empregos.

        Arroyo acentua que “nosso sistema seriado é possivelmente dos mais caudatários da concepção utilitarista de ensino elementar.” Em outros países teria se afirmado com maior ênfase que no nosso, a concepção de educação básica concebida no pensamento progressista e democrático e nos movimentos e lutas pelos direitos sociais e políticos, porque neles os conteúdos são menos exigentes e a reprovação e defasagem idade/série quase inexistentes. Quanto aos nossos índices de fracasso, eles teriam sido mantidos e até aumentado, ficando entre os mais altos do mundo, devido a essa qualidade credencialista e utilitarista que incorporamos como modelo de boa escolarização básica, que nos fez refinar a seletividade do sistema, exigindo saberes e competências paras o sucesso escolar que não encontramos nos currículos dos países europeus nem dos Estados Unidos. As raízes que alimentam nosso fracasso escolar estariam na concepção de ensino elementar que nos inspira.

        A outra idéia-força identificada pelo autor é a defesa da escola para todos, para formar cidadãos e socializar o conhecimento socialmente produzido. Esta idéia tem contraditoriamente convivido com o horizonte utilitarista e credencialista, onde democratizar a escola básica passou a significar ampliar para os setores populares o domínio de habilidades de leitura, escrita, contas, das competências primárias que os tornassem mais iguais, isto é, com mais possibilidades de competir no mercado de emprego. Os excluídos sociais dominariam os mesmos credenciais para sobreviverem numa sociedade cada vez mais seletiva, sem questionar o caráter excludente, antidemocrático e antipedagógico do credencialismo.

        A seletividade da economia globalizada, o crescente desemprego e a marginalização, teriam nos feito abandonar os horizontes democráticos que nos guiaram em décadas recentes e nos colocado sob o manto perigoso do democratismo credencialista. Políticas públicas, na área de currículos, de avaliação, de correção de fluxo e aceleração de estudo, teriam se inspirado nessa intrincada mistura de democracia-credencialismo. Para muitos de nós as medidas inovadoras (repensar a cultura de reprovação, dar destaque a cultura/ética/estética/socialização, redefinir o sistema seriado e o currículo gradeado) são encaradas com medo sob pretexto de que negariam aos setores populares o domínio de competências necessárias para enfrentar a seletividade e competitividade da sociedade e do mercado. Daí se manter o sistema escolar rígido, conteudista, duro e seletivo, porque seria bom para os setores excluídos, que repetindo e multirepetindo, sairão credenciados em igualdade de condições para enfrentar a seletividade da sociedade. Eles seriam excluídos porque não dominam as competências escolares.

        Arroyo desperta nossa atenção para esta cultura seletiva que vai se reforçando na medida que pretensamente se apoia e busca legitimar-se no discurso democrático e igualitário.

Considerações finais

        Sucesso escolar parece não ser um tema muito abordado nos periódicos (dos 71 textos pesquisados, apenas cinco tratavam do tema), mas fica a certeza de que além de estar diretamente relacionado com a avaliação escolar, há vários parâmetros para operacionalizar sucesso escolar.

        Dentre as concordâncias que tenho com as idéias expostas pelos autores, destaco as ponderações de Perrenoud sobre as avaliações externas, que além de se limitarem aos dados mais fáceis de medir, favorecem a coexistência de uma dupla definição institucional de sucesso escolar. Considero, igualmente, que a execução de exames nacionais não podem estabelecer os indicadores de competência dos sistemas educacionais porque medem uma parte da aprendizagem do aluno.

        O artigo de Claudia Davis sobre metacognição e sucesso escolar alerta para o fato de precisarmos detectar a cultura escolar em que encontra-se imerso o aluno considerado exitoso. Segundo a pesquisadora, ele pode vivenciar uma cultura voltada para a informação, ou uma cultura com ênfase na formação ou freqüentar uma escola que promova a cultura do pensar. Assim, dependendo da orientação escolar os alunos aumentam e aperfeiçoam suas possibilidades de sucesso, entendido aqui como aquisição de aprendizagens mais profundas e duradouras.

        Marília Pinto Carvalho questiona as explicações mais freqüentes sobre o sucesso escolar das meninas frente aos meninos, comprova como a socióloga francesa (Marie Durut-Bellat) que cita, que essas explicações podem estar mais baseadas em idéias e posicionamentos a priori do que em conclusões deduzidas do que foi observado e pesquisado. Da mesma forma, penso que as pesquisas que investigam o sucesso escolar de alunos de classes populares, podem dar uma outra visibilidade ao fracasso escolar que sempre esteve articulado com a temática de classe.

        No que pesem as críticas às propostas político-pedagógicas acompanhadas por Miguel Arroyo, por em prática a concepção de uma escolarização que redefina a estrutura do nosso sistema de ensino, evidencia sua estrutura seletiva. Não podemos ignorar suas ponderações sobre a convivência de um ideário pedagógico democrático que sonha com uma sociedade igualitária, mas que prepara seus alunos para os ditames do mercado, sem questionar seu caráter antipedagógico,e excludente.

        Diante da pergunta – o que é sucesso escolar? – atenho-me às reflexões de Perrenoud que afirma que existe uma construção social do sucesso e do fracasso. O sucesso seria um julgamento feito pela instituição, que tem força de lei e determina o destino dos alunos independentemente deles e/ou suas famílias concordarem ou não com a definição institucional. Além disso, ele varia segundo os sistemas educacionais, as épocas, os parâmetros de ensino, os níveis, as disciplinas e segundo as transações que ocorrem com armas desiguais entre os envolvidos.


1 Os periódicos escolhidos foram: Cadernos de Pesquisa, Educação e Sociedade, Revista Brasileira de Educação, Cadernos Cedes, Currículos sem Fronteiras (publicação que pretende um diálogo entre países de Língua Portuguesa), Educar em Revista (revista eletrônica da Universidade Federal do Paraná) e Educação e Pesquisa (revista da Faculdade de Educação da USP).

2 (Escola Plural – Belo Horizonte, Escola sem Fronteiras – Blumenau, Escola Cidadã – Porto Alegre, Escola Desafio – Ipatinga, Escola Candanga – Brasília).

3 Destaco o estudo de Dília M.ª Andrade Glória (UFMG) e de Leila de Alvarenga Mafra (PUC-MG), realizado numa escola fundamental da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte que assumiu desde 1995 o projeto político-pedagógico da Escola Plural. Este estudo descreve e analisa as percepções de professores sobre a prática da não-retenção escolar que busca possibilitar a alunos de camadas populares uma sobrevivência escolar mais prolongada. As pesquisadoras concluíram que o princípio da não-retenção na escola investigada não conseguiu desfazer por si mesmo os nós imbricados no sistema de ensino e reverter o quadro de exclusão porque os processos de ensino, as práticas pedagógicas e as estratégias escolares não se reformularam para adquirir contornos menos punitivos, seletivos e excludentes.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARROYO, Miguel G. Fracasso/Sucesso: um pesadelo que perturba nossos sonhos. Em Aberto, Brasília, v.17, p. 33-40, jan. 2000.

CARVALHO, Marília Pinto de. Sucesso e fracasso escolar: uma questão de gênero. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, jan./jun. 2003.

DAVIS, Claudia; NUNES, Marina M. R. ; NUNES, Cesar A. A. Metacognição e sucesso escolar: articulando teoria e prática. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.35, n. 125, maio/ago. 2005.

GLÓRIA, Dília Maria de Andrade; MAFRA, Leila de Alvarenga. A prática da não-retenção escolar na narrativa de professores do ensino fundamental: dificuldades e avanços na busca do sucesso na escola. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 2, maio/ago. 2004.

PERRENOUD, Philippe. Sucesso na escola: só o currículo, nada mais que o currículo! Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 119, 2003.